O SUCESSO DE UMA BIOFÁBRICA
PROBLEMAS E DESAFIOS *

Batata Semente

O SUCESSO DE UMA BIOFÁBRICA
PROBLEMAS E DESAFIOS *

Marcio de Assis1
Marcos Paiva2
Otavio Carlos Armani3

Faça o download do artigo em formato PDF aqui

RESUMO
A micropropagação de espécies vegetais tem sido bastante aperfeiçoada nas últimas décadas; para isso, tem contribuído o aprimoramento de protocolos de multiplicação bem como a constante evolução em infra-estrutura, equipamentos e insumos necessários para os trabalhos realizados em laboratórios e em ambientes protegidos, indispensáveis para a aclimatação das mudas clonadas in vitro. Visando-se a exploração comercial, o domínio das técnicas de produção é fundamental, mas necessita ser complementado por práticas empresariais adequadas, para assegurar o sucesso da atividade; plantas micropropagadas geralmente apresentam algumas vantagens como maior vigor, produtividade, homogeneidade e capacidade de multiplicação sobre aquelas formadas por processos convencionais; entretanto, para os usuários, principalmente produtores especializados, esses benefícios precisam ser constantemente confirmados quanto aos aspectos agronômicos e financeiros. A instalação de biofábricas, como qualquer atividade empresarial, exige um detalhado planejamento; na escolha das espécies vegetais é necessário definir claramente os problemas relevantes a serem solucionados e os diferenciais oferecidos pelas plantas micropropagadas; é preciso também analisar e dimensionar o mercado a ser atingido de forma a estabelecer estratégias operacionais adequadas de atuação. Um breve histórico da Multiplanta, empresa que utiliza comercialmente técnicas de clonagem de plantas há quase duas décadas, bem como alguns dos problemas e desafios enfrentados nesse período são apresentados a seguir.

Palavras chave: Biofábrica, Biotecnologia, Micropropagação, Clonagem, Comercialização.

INTRODUÇÃO
A Multiplanta é uma empresa nacional de capital privado, fundada em 1991, no município de Andradas, região sul de Minas Gerais (Assis et al.,2000). A escolha do local, entre outros fatores, foi em função da infra-estrutura urbana e posição geográfica favoráveis, clima ameno, de altitude, além de boa disponibilidade de recursos humanos. Sua instalação, feita em uma propriedade com área de 04 ha, localizada no perímetro urbano do município foi planejada por três sócios administradores com vivência no ramo agrícola, sendo que dois possuíam significativa experiência na área de biotecnologia vegetal adquirida através de cursos de especialização no exterior, em atividades exercidas em órgãos públicos de ensino e pesquisa do país e em empresas da iniciativa privada.

Desde a fundação os trabalhosenfocaram a produção de plantas matrizes de morangueiro (Fragaria x ananassa Duch.), utilizadas para a instalação de viveiros, mudas de bananeira (Musa spp.) e tubérculos semente de batata (Solanum tuberosum L.). Esses projetos foram selecionados em função do conhecimento agronômico e comercial acumulado pelos sócios, bem como pelo uso eficiente de processos biotecnológicos para solucionar problemas específicos dessas culturas; a estratégia definida consistia em manter um crescimento gradual e contínuo, utilizando principalmente recursos financeiros gerados pelos próprios projetos.

METODOLOGIA UTILIZADA
O objetivo primordial traçado foi o deconsolidar a empresacomo produtora de mudas e sementes de alta qualidade genética e sanitária; visando maior previsibilidade da produção e segurança quanto à estabilidade genética das plantas, foram adotadas técnicas já estabelecidas como a cultura de meristemas e micropropagação a partir da proliferação de brotações axilares; para minimizar os riscos de suprimento de insumos básicos necessários aos trabalhos,desenvolveu-se um modelo de produção utilizando-se prioritariamente materiais disponíveis no mercado nacional; assim, optou-se pelo uso de meio de cultura semi-sólido, frascos de vidro de 250 ml e tampas autoclaváveis, feitas de polipropileno.

Para simplificar e tornar ágeis as operações de laboratório, vários equipamentos como misturador de meio de cultura, autoclave, máquina de lavar vidros e outros, foram feitos sob especificação ou desenvolvidos pela empresa; a montagem das salas para preparo e esterilização de meios de cultura, repicagens, crescimento das plantas e lavagem de vidraria também foi efetuadaadaptando-se a estrutura física existente no local.

Todas as etapas de produção são conduzidas em áreas próprias. As exceções são a multiplicação de sementes de batata a campo, feita sob contratos com produtores parceiros e a indexação de organismos patogênicos, que é executada por entidades oficialmente credenciadas.

RESULTADOS ALCANÇADOS
No início das atividades alguns desafios como a desconfiança ou desconhecimento dos produtores em relação ao desempenho de mudas micropropagadas e outros fatores conjunturais, como períodos de forte instabilidade econômica registrados no país precisaram ser superados. Isso foi alcançado, mantendo-se permanente foco e promovendo-se ajustes nos projetos comerciais. Dessa forma conseguiu-se implantar e gradativamente ampliar a estrutura física e a capacidade operacional da empresa.

Atualmente, a Multiplanta possui 29 funcionários, sendo 24 ligados diretamente às atividades de produção em laboratório e estufas. A área total disponível é de 06 ha com aproximadamente 2.500 m² de construções para usos diversos; a área específica de laboratórios é de 700 m², contendo 150 m²de salas com ambiente controlado nas quais estão montadas 400 m² de prateleiras para crescimento das culturas in vitro. Seis câmaras de fluxo laminar horizontal, para dois operadores cada, são utilizadas para as repicagens assépticas das culturas; o conjunto de estufas, com vários ambientes para os diferentes estágios de aclimatação e crescimento das plantas micropropagadas mede 8.500 m²; para suporte ao projeto de batata dispõe-se de uma câmara frigorífica para armazenamento de 300 toneladas de sementes.

A estrutura instalada permite uma produção média de 300 mil plantas por mês, havendo espaço disponível para ampliações e duplicação desse número. Além da equipe própria, a empresa possui prestadores de serviços para a execução de atividades complementares como contábil e financeira, informática, divulgação, jurídica, vendas, transportes, etc.

O acompanhamento constante dos projetos comerciais desde as etapas internas de produção e, de variadas formas, o desempenho pós-venda, permitiu à empresa manter-se adequada à demanda do mercado. Dessa forma, a estrutura foi gradativamente ampliada para compatibilizar a capacidade de produção com os compromissos de comercialização assumidos.

OUTRAS CONSIDERAÇÕES
Inúmeros desafios precisam ser superados para que biofábricas com objetivos comerciais alcancem a estabilidade operacional e o equilíbrio financeiro; alguns são característicos desse tipo de empreendimento; talvez o mais comum seja a dificuldade em utilizara força de trabalho e estrutura disponíveis para efetuar entregas programadas de volumes elevados de plantas, com padrões de qualidade previamente definidos e preços competitivos; outros são decorrentes da natureza agrícola da atividade, como sazonalidade de algumas culturas, flutuação de preços de mercado ou questões de âmbito financeiro, como políticas públicas de incentivo e disponibilidade de crédito, que podem afetar a tomada de decisão dos produtores ou consumidores finais.

Embora o conceito de sucesso seja subjetivo, o fato da Multiplanta, empresa de base biotecnológica e que utiliza principalmente recursos próprios, após ter sido exposta a vários ciclos de conjuntura econômica do país, permanecer atuante num segmento agrícola exigente e complexo como é o mercado de mudas e sementes em que está inserida, merece considerações; a adoção de alguns procedimentos ou diretrizes foram, a princípio, julgados importantes para a sua consolidação:

  • Dedicação integral dos sócios administradores;
  • Elaboração e rigoroso acompanhamento de planos anuais de trabalho;
  • Valorização dos recursos humanos;
  • Permanente foco nos projetos comerciais;
  • Atenção no relacionamento com os clientes, buscando sua fidelização;
  • Adequação constante à legislação vigente e em especial às normas oficiais de produção de sementes e mudas;
  • Estimular a criatividade e implementar ações inovadoras;
  • Agir preventivamente e ter atenção aos detalhes.

É difícil avaliar a relevância ou contribuição desses procedimentos se analisados isoladamente; de forma conjunta certamente foram úteis para moldar e fortalecer a cultura característica da empresa e possibilitaram que atingisse a estabilidade atual.

CONCLUSÃO
O conhecimento acumulado nos últimos anos tem motivado a instalação de biofábricas e ampliado consideravelmente a produção de plantas micropropagadas, em todo o mundo; especial interesse tem surgido pela sua aplicação no mercado de plantas ornamentais, que ainda concentra o maior volume produzido, assim como de espécies florestais e fruteiras; no entanto, a volatilidade observada nesse segmento, ou seja, o número de empresas que inicia e encerra as atividades após curto período de operações, permanece elevada. Isso ocorre em todos os países, independente do seu estágio de desenvolvimento econômico ou tecnológico (Prakash, 2006; Sluis, 2006; Winkelmann et al., 2006).

Em levantamento realizado nos Estados Unidos, Zimmerman (1996) constatou que havia um total de 111 laboratórios comerciais, produzindo anualmente em torno de 120 milhões de plantas, embora a capacidade instalada fosse da ordem de 175 milhões. Mais da metade da produção era oriunda de 11 laboratórios de maior porte. Em 2006 o número de laboratórios havia sido reduzido para 93 e a produção estimada em 130 milhões, um incremento de 8% sobre aquela de 1996 (Zimmerman, R.H., Griesbach, R.J., 2006).

Na Índia a micropropagação foi considerada uma área prioritária e passou a receber estímulos governamentais nos últimos 20 anos (Prakash, 2006). Entre 1987 e 1995 mais de 50 laboratórios foram instalados com capacidade de produção superior a 200 milhões de plantas; embora nos primeiros anos as metas de produção tenham ficado distante das expectativas novos laboratórios continuam sendo montados elevando a capacidade para 300 milhões de plantas.

A expansão da produção de plantas micropropagadas também ocorre na China, em outros países da Ásia e do leste da Europa. Essa tendência está relacionada à necessidade de redução do custo unitário das mudas, cujo componente mais significativo nas empresas de biotecnologia americanas e de alguns países da União Européia, onde estão os grandes mercados consumidores, continua sendo a força de trabalho especializada, indispensável para executar as repicagens assépticas das mudas (Sluis, 2006).

Diversos desafios ainda precisam ser superados nas várias etapas de multiplicação das culturas in vitro, como baixo nível de automação, contaminações, controle de taxas de multiplicação, surgimento de variantes somaclonais, etc. (Sluis, 2006). Na fase de aclimatação das plantas micropropagadas a ocorrência de índices elevados de perdas pós-plantio ou mesmo a dificuldade de promover o seu crescimento de forma controlada também são problemas comumente observados. A ocorrência de qualquer um desses fatores pode afetar seriamente a evolução de cronogramas de produção e comprometer de forma irremediável a estrutura da empresa e o seu posicionamento perante o mercado.

A implantação de biofábricas com fins comerciais deve, portanto, ser precedida de avaliação criteriosa dos diversos parâmetros ou desafios técnicos a serem contornados, bem como da definição clara das estratégias que serão adotadas de forma a alcançar a sua estabilidade operacional e assegurar o retorno dos investimentos realizados.

REFERÊNCIAS
ASSIS, M.; PAIVA, M.; ARMANI, O. C. Micropropagação de plantas: histórico de uma empresa comercial. Informe Agropecuário. Belo Horizonte: v. 21, n. 204, p. 124-126, 2000.
PRAKASH, J.   Micropropagation industry in India: biology and business. ISHS Acta Horticulture. Netherlands, v.1, n. 725; V International Symposium on In Vitro Culture and Horticultural Breeding, p. 293-300, 2006.
SLUIS, C. J. Integrating automation technologies with commercial micropropagation. In: GUPTA, S. D.; IBARAKI, Y. (Ed.). Plant Tissue Culture Engineering. Netherlands: Springer, p. 231-251, 2006.
WINKELMANN, T.; GEIER, T.; PREIL, W.  Commercial in vitro plant production in Germany in 1985-2004. Plant Cell, Tissue and Organ Culture, Dordrecht, Pays-Bas, v. 86, n. 3, p. 319-327, 2006.
ZIMMERMAN, R. H.  Commercial micropropagation laboratories in the United States. In: CASSELS, A. C. (Ed.). Pathogen and Microbial Contamination Management in Micropropagation. Netherlands: Kluwer Academic Publishers, p. 39-44, 1996.
ZIMMERMAN, R. H.;GRIESBACH, R.H.  Development of the U.S. Commercial micropropagation.  CAB Abstracts. Buletinul Universitatii de Stinte Agricole si Medicina Veterinara Cluj-Napoca. Seria Horticultura.  2006.

1 Engenheiro Agrônomo MSc

2 Engenheiro Agrônomo PhD

3 Engenheiro Industrial

Multiplanta Tecnologia Vegetal Ltda
Avenida Ricarti Teixeira, 1364
Caixa Postal 121
CEP 37.795-000
Andradas-MG.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.